Doula, o constante exercício da empatia

Para inaugurar uma série de artigos que pretendem apresentar os profissionais envolvidos na assistência ao parto, hoje falaremos sobre as Doulas.

Não é difícil encontrar na internet textos que explicam seu escopo de atuação, partindo da definição da palavra grega para “aquela que serve” e seguindo pelas atribuições praticas desta profissional que oferece cuidados não clínicos antes, durante e após o parto. Escolhi, em vez das definições oficiais trazer um depoimento pessoal sobre minha experiência como doula há quase 7 anos, das alegrias e desafios constantes desta jornada que escolhi trilhar, por acreditar que pode ser uma contribuição mais rica e um enfoque menos disponível.

Foi durante a minha formação em Naturologia que descobri um enorme interesse pela gestação, parto e primeiros cuidados com o bebê. Conforme aprendia sobre as diversas formas de promover saúde integral (que considera tanto os aspectos emocionais, mentais, energéticos e espirituais, quanto físicos) mais acreditava que quando uma nova vida é concebida com amor, cuidado e consciência maiores seriam as chances deste individuo desenvolver-se com saúde. Mergulhei de cabeça neste universo e tive a certeza que havia encontrado um foco para minha atuação como Naturóloga. Comecei atendendo gestantes no estágio clínico da faculdade e nunca mais parei! Desejando aprofundar meu entendimento sobre o tema, resolvi, em 2009, fazer um curso de Doula e foi como descobrir minha verdadeira missão nesta vida. <3

Reconhecer o poder feminino de gestar, parir e maternar de forma natural me fez querer contribuir com a experiência de famílias desejosas por um parto respeitoso, com mínimas intervenções possíveis, no país campeão mundial de cesáreas… mal podia imaginar o grande desafio que me aguardava!

Logo que me tornei doula fui morar Finlândia, onde vivi por 2 anos. A taxa de cesarianas neste país é uma das mais baixas do mundo: aproximadamente 15% dos nascimentos acontecem via cirúrgica. Esta experiência foi muito rica, pois me trouxe a convicção de que a grande maioria das mulheres tem plenas condições de dar à luz naturalmente e pude conhecer um sistema obstétrico exemplar, centrado na mulher.

De volta ao Brasil em 2011 comecei a atender gestantes que buscavam uma experiência de parto normal e então pude perceber, na prática, a grande dificuldade que é encontrar profissionais, instituições e condições que possibilitassem um nascimento respeitoso para mãe e bebê. O início da minha atuação profissional como doula por aqui foi muito frustrante, pois embora as mulheres desejassem um parto normal e preparassem-se para isso, em algum momento – muitas vezes antes mesmo do trabalho de parto – seus médicos acabavam por indicar a cesariana com os mais variados argumentos: bebê grande demais, pequeno demais, muito liquido, pouco liquido, circular de cordão, estreptococos positivo, bolsa rota, falta de dilatação e todos aqueles argumentos não baseados em evidências científicas que muitas de nós já ouvimos.

Foi então que eu descobri que ser doula me exigiria muito mais do que a melhor das intenções. Entendi que para ter um parto normal não bastava querer ou se preparar… Era preciso aprender, informar-se, buscar, pesquisar, questionar e, em muitos casos, mudar! E então, também mudei e passei a indicar somente profissionais humanizados, coerentes, cuja atuação, além de baseada nas mais recentes evidencias cientificas, eram altruístas, humanos, competentes e comprometidos com os desejos da mulher. E devo confessar minha sorte: logo estava acompanhando partos com os profissionais e equipes mais admiráveis que conheço!

Desafio inicial superado, viriam tantos outros.

O volume de partos aumentava e, então a questão da disponibilidade começou a ser muito expressiva. Não saber quando um parto vai acontecer, muito menos quanto tempo irá durar pode ser um aspecto um tanto desafiador para quem gosta de planejamento e rotina! Neste sentido é muito importante ter parceiras com quem se possa contar em uma emergência como coincidência de partos, por exemplo – outro motivo de ansiedade constante, especialmente nas viradas de lua, rs.

Em termos práticos, meu trabalho começa na gestação (geralmente no segundo trimestre) quando as mulheres me procuram para entender mais sobre este trabalho ainda tão desconhecido. Em uma consulta inicial nos conhecemos pessoalmente e conversamos sobre suas expectativas e desejos, além de confirmarmos a empatia necessária para o trabalho. Juntas, definimos o numero de sessões antes do parto (sugiro no mínimo dois encontros com o casal antes do nascimento) e outros detalhes.

No dia do parto, o casal começa me informando sobre sinais de que o trabalho de parto se aproxima e mantemos contato constante por mensagem e telefone até que as contrações estejam ritmadas e a dor, aumentando. Quando sentem que precisam de “mãos extras” vou até sua casa e passo a informar a equipe sobre o trabalho de parto. Percebo e preparo um ambiente em que a mulher tenha privacidade e conforto e ofereço meu apoio, carinho e outras formas naturais de alivio da dor.

Quando as contrações intensificam e se tornam ainda mais frequentes, chamo a parteira (quando esta compõe a equipe) que vem também a residência para uma avaliação: ausculta o bebê, eventualmente verifica a dilatação e, quando em fase ativa seguimos todos para o hospital, quando é este o plano. Geralmente vou junto no carro para ajudar com as dores no caminho.

Ao chegar ao hospital acompanho a parturiente continuamente, lembrando-a de relaxar, respirar e entender o que acontece a sua volta, protegendo-a de estímulos excessivos. Também ofereço apoio e informação ao parceiro – quem muitas vezes pode se sentir perdido neste novo cenário.

Quando nasce o bebê permaneço por mais algumas horas, ajudando a mulher a se reorganizar, estimulando o contato pele a pele com o bebê e amamentação na primeira hora de vida. Quando o processo realmente termina (mãe se sentindo bem, bebê mamando, pai babando, rs) vou embora. Após alguns dias realizo uma visita domiciliar para conferir o bem-estar da família e relembrar o parto, quando desejado. Fazemos então um fechamento e me mantenho à disposição durante o período de quarentena para qualquer duvida ou necessidade. O nosso contato não termina por ai e algumas vezes vira, inclusive, lindas amizades!

Ser doula no país das cesáreas não é fácil, posto que somos alvo constante daqueles que querem manter o status quo da assistência obstétrica e nos difamam, rechaçam, excluem e rejeitam (constantemente temos dificuldade com instituições e profissionais que insistem em atuar no paradigma mecanicista), além de tantos outros desafios que enfrentamos por “nadar contra a corrente”.

Contudo, tudo isso vale mais do que a pena quando testemunhamos o evento sagrado de um nascimento: do bebê, da mãe e da família! Sentir a explosão de amor que acontece quando um bebe nasce e saber que pôde contribuir para uma experiência positiva para a família naquele momento, apoiando, encorajando e respeitando-a… é ter certeza que se escolheu o caminho certo, o caminho do AMOR. É encher-se de esperança de um mundo melhor que comece pelo nascimento!

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